quarta-feira, 18 de abril de 2012

O Sal da depressão de Afar



Parapeitos de sal, lama e potassa, alguns com 25 metros de altura, erguem-se em um labirinto de cânions e penhascos no flanco da montanha Dallol. As formas tortuosas são produtos de tempestades e enchentes repentinas. (Foto: George Steinmetz) 


Parecia uma cena produzida por um estúdio de efeitos especiais em Hollywood. Em setembro de 2005, pastores afares do norte da Etiópia viram, estarrecidos, a terra abrir um bocejo e engolir suas cabras e seus camelos. Pedaços de obsidiana irromperam de cavernas e voaram pelos ares, “como enormes pássaros pretos”, disse uma testemunha. Por três dias, uma encrespada nuvem de cinzas obscureceu o sol durante a erupção do maior vulcão da região, o Erta Ale – “Montanha Fumacenta”, na língua afar.
O que desencadeou esses eventos assustadores? Quilômetros abaixo da superfície, um colossal arroto de magma subira por entre duas placas tectônicas. Na superfície, centenas de fissuras abriram-se ao longo de 60 quilômetros de deserto e engoliram os pobres animais. Outros sismos menores abalaram a área nos anos seguintes.
A depressão de Afar, na África, é uma das regiões mais hiperativas do mundo em termos geológicos. Para quem a sobrevoa de avião, ou em um paraglider motorizado, como fez inúmeras vezes o fotógrafo George Steinmetz, ela pode parecer imóvel como o gelo no Ártico. Mas a fachada atemporal de Afar esconde sua real natureza. Sob a superfície, a casca rochosa da Terra está se rasgando, e câmaras subterrâneas de magma alimentam 12 vulcões ativos, além de gêiseres, caldeiras borbulhantes e um revolto lago de lava.

Os terremotos de 2005 e os sacolejos subsequentes são os mais recentes de uma longa série de abalos sísmicos iniciados há 30 milhões de anos, quando o magma subiu pela crosta terrestre e começou a separar a península Arábica da África, criando o mar Vermelho e o golfo de Áden. Depois de aflorar, o magma resfria, torna-se mais denso e afunda. Algumas partes de Afar agora se encontram mais de 150 metros abaixo do nível do mar.
Por estar tão baixa, a depressão de Afar foi muitas vezes inundada pelo mar Vermelho; a última vez em que isso ocorreu foi há 30 mil anos. Depois de cada incursão, a água marinha evapora e deixa grossas camadas de sal. Esse “ouro branco” tem sido uma importante fonte de renda para os afares, que permanecem leais à sua terra de extremos, apesar de temperaturas que no verão podem superar os 49°C.
Em uma cena bíblica, caravanas chegam às minas de sal do lago Asele, 116 metros abaixo do nível do mar. Por séculos, blocos de sal chamados amole foram usados como dinheiro em toda a Etiópia.(Foto: George Steinmetz) 


Cientistas enfrentam o deserto por outra razão. Afar é um dos poucos lugares da Terra em que uma dorsal submarina – uma saliente linha de junção por onde o magma verte e forma o novo assoalho oceânico – emerge no solo. Para os estudiosos da Terra, é uma rara chance de investigar processos geológicos que, via de regra, acontecem muito abaixo da superfície do oceano.


Antigos derrames de lava lembram vértebras de um animal fossilizado.(Foto: George Steinmetz) 

Com tempo suficiente – no mínimo vários milhões de anos –, esses processos geológicos produzirão mudanças drásticas na geografia da África: a depressão de Afar e todo o Grande Vale Rift serão o berço de um mar que ligará o Vermelho ao oceano Índico e separará o Chifre da África do continente.